sexta-feira, 29 de julho de 2011

VIDA E MORTE DA MUNDET

Acabei de ler uma notícia interessante, talvez a mais interessante das notícias de hoje, numa inócua página interior e numa tão reduzida crónica que, só alguém como eu, capaz até de ler o suplemento dos anúncios, daria com ela.
A história conta-se tão naturalmente que nem a "troika" nem a "balalaika" dariam por ela, tão candidamente foi reproduzida naquele cantinho escondido do jornal de hoje, numa daquelas notícias de jovem jornalista que não questiona, não se arrepia, nem arregala os olhos, mantendo o princípio fundamental da escola onde concerteza lhe disseram que o jornalista apenas noticia e nunca questiona, isso se quer chegar ao fim do contrato de seis meses, que um qualquer recibo verde justifica.
Tudo isto a propósito do processo de falência da Mundet, uma grande empresa corticeira, com mais de mil empregados que há vinte e três anos atrás fechou a porta e deixou um administrador de falências com um problema de difícil resolução. Vinte e três anos? acho que é engano, ou... serão mesmo vinte e três anos... um ano, dois anos, três anos... vinte e três anos!
Acho muito? ahhh talvez nem seja, afinal vinte e três anos é bastante menos que Cristo viveu e nem dá para muito mais que um indivíduo nascer, crescer, votar, casar e continuar a ser jovem, isto tudo se não acrescentarmos poder ser um filho de um dos funcionários despedido há vinte e três anos.
Com a paciência, a humildade e a esperança de que o espólio da Mundet desse para pagar ao administrador de falência ao longo desses vinte e três anos, os empregados ainda vivos, receberam a feliz notícia, talvez em carta registada com aviso de recepção, de que iam ter direito ao pagamento de vencimentos em atraso na altura da falência, indemnização essa que se situa entre vinte seis cêntimos e trinta euros. Sim, vinte seis cêntimos de euro, o equivalente a duas carcaças das mais baratas... VINTE E SEIS CÊNTIMOS de indemnização é quanto vão receber alguns dos trabalhadores despedidos da Mundet, a empresa corticeira do Seixal.
Depois de vinte e três anos de um processo de falência, onde um administrador nomeado por um tribunal, com um vencimento mensal normalmente avantajado e pago com os bens da empresa decide indemnizar trabalhadores com vinte seis cêntimos, gastando para isso um cheque e uma carta registada com aviso de recepção, os quais custarão dez vezes mais que o valor da indemnização.
Lembrei-me de uma outra falência ocorrida nos anos 80, de uma multinacional americana instalada nas Caldas da Rainha, que despediu centenas de trabalhadores com salários em atraso, cujos terrenos foram comprados em tribunal pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha, no valor de um milhão e duzentos cinquenta mil euros, ainda não está resolvido o processo de falência, com um outro administrador nomeado pelo tribunal a desejar que os trabalhadores morram todos antes da decisão de os indemnizar talvez com os mesmos valores dos camaradas do Seixal. E já lá vão cerca de 30 anos...
Estamos em Portugal ou no Zimbabué? alguém que me explique, por favor.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

GRATUITIDADE

Este fim de semana comprei, como habitualmente, o DN para saber como vai o mundo e para ler umas crónicas interessantes, sejam elas do Ferreira Fernandes, da Fernanda Câncio ou do Manuel António Pina, com temas muito pertinentes a propósito de tudo e de nada.
Este último colocava o âmago ( esta é profunda) da questão numa frase lapidar "Porque terá a poesia tanto e tão inexplicável prestígio, suscitando uma espécie de temor reverencial junto de todos aqueles que não compreendem a sua assustadora gratuitidade?" e aqui chegados, ficamos esclarecidos da gratuitidade sob todos os aspectos, tanto da quase miséria a que estarão sujeitos todos aqueles que alguma vez pensarem viver dessa "arrumação" da escrita, como também da gratuitidade que se supõe do nada a que a poesia nos leva, ou pelo menos nos quer levar Manuel Pina quando ironicamente realça a perfeita inutilidade da poesia.
Sim, é inutil escrever poesia se o objectivo é mesmo receber alguns dividendos ou até mesmo se pensamos que além de nós e da família mais chegada, haverá alguém que a leia, mas por essa ordem de ideias nunca Ary dos Santos, Manuel Alegre ou José Fanha, para não irmos mais longe nos brindariam com poesia não tão inutil como poderia parecer à primeira vista, Cesário Verde, Florbela Espanca ou Pessoa não seriam estudados nas escolas e universidades.
Mas por tudo isso não deixa Manuel Pina de ter toda a razão quando, sabendo todos nós, tantos e tantos milhões que rabiscamos poemas por esse mundo fora, que tudo isso por mais interessante que seja, não será lido por ninguém, se admira com o facto de jovens, adultos e idosos continuarem a escrever poesia em folhas soltas, cadernos ou mesmo guardanapos de restaurante.
É uma perfeita inutilidade sim, tanto mais que há tanta coisa mais rentável para fazer na vida, tal como fazer livros do Futre ou fazer comentários na tv, os quais igualmente inúteis têm a vantagem de ser lidos e vistos por milhares de pessoas.
É verdade, jovens a escrever poemas até se aceita porque poesia, lirismo, imaginação e viagens para lá das nuvens são próprias da idade, metem-se na gaveta e uns anos depois mandam-se para o lixo, porque o ridículo não mata mas envergonha. Velhotes a escrever quadras populares também é aceitável... eles têm mais tempo livre, já não têm pachorra para esse complexo juvenil da vergonha e até podem fazer poesia para ser lida depois de morrerem, como fez Drumond de Andrade, com alguma poesia erótica, mas um homem de meia idade, casado e com filhos ainda jovens a rabiscar uns poemas é suspeito, sim senhor!
É tão suspeito que quando dou a ler aos amigos e conhecidos alguns arremedos de poesia que fui fazendo ao longo dos anos, começam por não acreditar, suspeitam de plágio e mesmo os filhos só acreditaram quando escrevi uma poesia para cada um, na sua presença, imprimi, mandei encaixilhar e coloquei nos respectivos quartos.
Ao ler a crónica de Manuel Pina, lembrei-me de outros tipos de poetas, daqueles a quem os amigos perguntam "estás armado em poeta, ou quê?", para os chamar à razão de uma sociedade em que qualquer tipo de poesia é pecado. De uma de muitas vezes em que me senti poeta, recordo um concerto musical que organizei em 1980, com uma excelente orquestra que convidei, um programa distribuído por todo o concelho, centenas de cadeiras colocadas no pavilhão desportivo, um autocarro alugado e... 5 (cinco) bilhetes vendidos! é preciso ser poeta, sim...
Como se não bastasse, ainda participei ao longo de todos estes anos em mais algumas manifestações poéticas, sempre com um verso atrás, perdão, sempre com um pé atrás, para que não me voltem a chamar poeta.
Curiosamente, aproveitei desde há uns anos a esta parte, as vigilâncias de exame para numa folha de rascunho ir escrevendo uns versos, enquanto passava devagar e em silêncio por entre as carteiras, onde muitas vezes a poesia também fazia parte do enunciado... e de alguma forma consegui chegar à conclusão de que a tal gratuitidade da poesia é muito relativa, na medida em que é uma forma excelente de ajudar a ultrapassar um determinado tempo gratuitamente inútil, como nos faz imaginar a vida de um modo diferente, mais solta, mais leve, mais alegre, mais feliz. Daí pensar até que um poeta, bom, mau ou assim-assim anda muitas vezes com a cabeça no ar... e quem não gosta?