quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

ENCAIXAR

Encaixar - ajustar, meter à força, proporcionar situação, emprego, penetrar, entrar sem custo... o que vale é que temos sempre à mão o grande diccionário da língua portuguesa, o tal que nos tira todas as dúvidas, mas sempre em vias de desactualização porque a vida é composta de mudança e o papel impresso tem essa desvantagem. Tudo isto porque "encaixar", diz o diccionário, é sinónimo disso tudo que descrevi atrás, mas não o é de "meter na Caixa... Geral de Depósitos" e nos tempos que passam a malta lembra-se logo dos vinte seis membros de governo e deputados que, depois do sacrífício na causa pública, foram encaixados na Caixa Geral de Depósitos desde o 25 de Abril até aos dias de hoje.
Depois de termos encaixotado todos aqueles mamíferos que ao tempo da "revolução dos cravos" se abotoavam com esses cargos nas grandes empresas privadas e, sublinho, privadas, tivemos a feliz ideia de nacionalizar e distribuir pelos filhos e netos da democracia os lugares onde se manda e com responsabilidade diluída pelos porteiros e recepcionistas.
Quando olhamos para trás e nos lembramos que eles não queriam nada com monopólios, com qualquer tipo de ditadura, com os ricos especuladores, com os jogos baixos e sujos e hoje estão todos "encaixados" na Caixa, ou "emGALpados" , ou "EDPados", ou "TAPados", ou "emBANCAdos"... começamos a pensar que já não há solução.
Encaixar é o que está a dar e o problema não é o facto de já estarem uma centena ou duas encaixados, o verdadeiro problema é que daqui por uns anos não há empresas que cheguem para encaixar tanta gente que vai saindo do governo e da assembleia, embora saibamos que têm sido criadas muitas empresas públicas e municipais.
O mais grave disto tudo é que existem ainda cerca de 9 milhões e tal de portugueses com a ilusão de que ainda vai sobrar para eles um lugarzinho nessas administrações e entretanto vão votando naqueles que provavelmente não vão acabar com a mama nos próximos cem anos, iludidos com umas boas acções a 140% ao ano, umas casinhas no Algarve com vizinhos tão bem estabelecidos como o Oliveira e Costa ou o Dias Loureiro ou umas reformas para compensar o facto de terem nascido.
Esta chatice da "Constituição" obrigar um mísero presidente da República a só poder estar no poleiro dez anos é uma afronta à liberdade dos cidadãos, até porque se não houvesse limites de mandatos, como o sr. Jardim, estou convencido que o Kadahfi e o Ben Ali eram uns aprendizes de democratas, com os seus 40 anos de poleiro... nós tinhamos quem fizesse melhor, até porque o sr. Silva disse várias vezes que neste lugar é necessário ter muita experiência... como o democrata do Zimbabué, talvez...
Eu sinto este espírito republicano dentro de mim, sei lá... mas acho que esta brincadeira da República está a deixar-nos no fundo, uma vez que se antes tínhamos de sustentar um rei, agora já estamos a sustentar quatro presidentes e ainda bem que são dez anos a cada um, porque já podíamos estar neste momento a sustentar oito... tudo isto porque no íntimo de cada um dos dez milhões de portugueses continua acesa a esperança de que algum dia lhes toque a eles, ou aos filhos ou netos uma presidênciazinha.
- oh pá, lembras-te do Aires Rodrigues, um que foi deputado do PS e que quando se chateou com a aldrabice dos camaradas, saiu e foi trabalhar, ou melhor, encaixou-se na cabine do camião, como motorista de pesados?
- lembro, sim... acho o homem honesto...
- achas? então está bem...
E nestas coisas, é tudo como no "euromilhões", há sempre um a ganhar e os outros que se lixem.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O MEU VOTO

Vêm-me à memória coisas interessantes sobre eleições... um dia, ou melhor, um princípio de noite de um dia que não sei precisar do ano de 1969, vinha eu a sair da escola industrial quando vejo uma carrinha de uma empresa onde o meu pai trabalhava e que se situava na estrada de Tornada, em Caldas da Rainha, cheia que nem um ovo, a transportar pessoal para um comício da oposição democrática, o qual se iria realizar no cine-teatro Pinheiro Chagas, na outrora inconfundível "praça do peixe". Ao volante ía o meu pai, que eu nunca tinha associado a qualquer tipo de oposição a não ser ao seu Benfica que... também nesse tempo não tinha oposição e talvez por isso era associado ao regime, uma vez que todos os que ganham são normalmente associados ao regime.
No final das eleições o meu pai teve o cuidado de me chamar para me dizer que eu nunca o tinha visto a conduzir carrinhas do Bento, acho que era assim que se chamava a tal empresa da estrada de Tornada, o que eu entendi perfeitamente.
Entretanto o tempo passou e em 1973, já professor, recebi no café "Facho" o envelope com a lista da Acção Nacional Popular, para ir votar, porque os funcionários públicos tinham o privilégio de receber pessoalmente a lista do regime... perguntei em voz alta o que era e para que servia ir votar se ganhavam sempre os mesmos, o que me valeu uma pública reprimenda de um apaniguado, já falecido e que afinal até era boa pessoa.
Conta-se até que o pai dessa pessoa tinha sido sempre um fervoroso opositor ao regime, dando aos seus filhos nomes de figuras gradas do regime soviético, o que decerto lhe trouxe alguns problemas.
Logo apareceu o "25 de Abril", a tal alvorada de liberdade, desenvolvimento económico, social e cultural, que nos deu excelentes políticos, excelentes banqueiros, excelentes economistas e muitos outros excelentes intérpretes que levaram o país a níveis tais de desenvolvimento que, ouvi há dias, só a Venezuela e a Somália estão piores que nós, aventando-se a hipótese de Timor-Leste nos emprestar dinheiro para pagarmos a quem devemos.
Pois nos últimos 37 anos, depois de tanta cruzinha nos boletins de voto, depois de milhares de toneladas de papelinhos, cartazes, prospetos, confetis, discursos, palestras e jantares de apoio e desagravo, aí temos mais umas eleições presidenciais onde o presidente quer ficar mais uns anos e não fica o resto da vida porque a Constituição não deixa, onde outros candidatos se candidatam para tentar preencher o seu ego e o dos companheiros, camaradas e amigos e onde de vez em quando aparece um candidato tipo "mosca", capaz de chatear o poder instalado.
Agora aparece um candidato como Fernando Nobre, que não recebe do Estado, não faz parte de nenhuma parceria público-privada, não tem amigos na SLN, não faz parte do mundo do futebol, não tem revistas nem jornais e cúmulo dos cúmulos, arranjou uma ONG que trata de vítimas de conflitos, guerras ou acidentes naturais, vive de donativos de pessoas e instituições privadas. Depois, a cada ano tem a coragem de apresentar contas, o que num país como Portugal, se não dá prisão... devia dar.
Mas eu conheço minimamente o povo a que pertenço e sei que Nobre vai ser um fracasso, porque quando escolhe, o povo escolhe e identifica-se com algo ou alguém que lhe diga "eu fiz isto e vc pode ser como eu"... agora digam-me, quem não quer receber três boas reformas, mesmo com a mulher a receber uma quarta reforma de apenas dois salários mínimos? e quem não quer ser deputado e poeta? e deputado nacional? e deputado regional?
Agora fazer cirurgias gratuitas, dar umas refeições a quem tem fome, fazer peditórios, arranjar um abrigo para quem não tem nada, moralizar a sociedade... vc quer?
Votar é, concerteza, um acto nobre! eu também acho.

domingo, 9 de janeiro de 2011

A DONA BRANCA DO REGIME

Ao longo dos anos em que me fui, mal ou bem, construindo, sempre tentei ouvir os outros, mas também com um pouco de teimosia fui construindo o meu mundo pela minha cabeça, não aceito o fatalismo assim como nunca dei poderes a ninguém para que falem ou ajam por mim.
Hoje ouvi pessoas candidatas à presidência da República falar dos portugueses e em nome dos portugueses, sobre tudo o que os portugueses precisam e até sobre o que os portugueses pensam, ou seja, aqueles que andam no poder ou lá perto sabem tudo ou quase tudo sobre os portugueses, mas eu desconfio que eles apenas têm medo que os portugueses saibam tudo ou quase tudo deles e assim sendo, usam a táctica "Valentim Loureiro" e chutam para a frente, no sentido de fazer o povo esquecer o passado em que já chafurdam há mais de 30 anos, com os resultados desastrosos já conhecidos.
Quando eu era miúdo lembro-me que no café onde ía com o meu pai, apareceu um dia o "katequero", um jogo que há bem pouco tempo se chamou de "jogo da bolha", ouvi com atenção o "regulamento" do jogo e concluí em voz alta que era aldrabice, o que face à minha idade, 11 ou 12 anos, não me livrou de uma galheta. Todavia continuei a pensar que era aldrabice, que havia uma maioria de jogadores que iriam ser roubados e algum tempo depois alguns dos lesados deram razão ao miúdo.
Uns anos depois, já adulto jovem vi um amigo a vender acções, corria o início dos anos 70, que se compravam e vendiam diariamente no café Pérola e que dava sempre lucro... até que o 25 de Abril e esses "malandros" dos comunistas, fizeram desses papéis e dos títulos da Torralta, um novo design de papel higiénico, papelinhos esses dos quais desconfiei porque davam logo 10% à cabeça e mais 10% pelo corpo todo, ou seja, por cada ano de aplicações.
Cresci mais um pouco e tive a oportunidade de viver a era "D. Branca", onde os aficcionados do golpe eram premiados com 10% ao mês, prémios que os primeiros aderentes recebiam relativos às aplicações dos segundos aderentes e por aí fora, numa moderna versão do "katequero" e da história da "árvore das patacas".
Depois de pensar que já estava tudo visto, no que diz respeito a "economia e finanças", o fim do ano presenteou-me com mais um jogo legal, perfeitamente legal, porque os outros é que eram ilegais e contrários aos bons costumes... então não é que o ex-primeiro ministro, licenciado em finanças por uma universidade pública portuguesa e com mais uns pózinhos numa universidade inglesa, o candidato à presidência da República Cavaco Silva, não estranhou, nem sequer pestanejou ao receber na sua conta bancária uma verba choruda, com juros de 140% ao ano, quando os juros de depósitos estão quase nos 0% e as acções vão descendo de valor a cada dia que passa?
E lembrei o comentador Marcelo Rebelo de Sousa...
- Mas pode ganhar 140% numa aplicação a um ano?
- Pode...
- Mas todos podem?
- Não!
- Mas quem é que pode?
- Não sei...
- Mas é legal?
- É...
- Mas esse juro não será demais?
- Talvez...
Depois de muito pensar, depois de saber que vou sofrer uma redução de salário (cá em casa são dois, marido e mulher), depois de saber que é legal ganhar 140% numa aplicação a um ano (lá em casa também foram dois, pai e filha)... já sei em quem vou votar, porque se dá para eles um dia há-de dar para mim... ou vou pensar, como sempre pensei, que isso é tudo aldrabice?