domingo, 30 de março de 2008

PAPAI ME ESPRESTE O CARRO...

"Papai me empreste o carro, pra ir bater um sarro com meu bem", era este o refrão de uma bonita canção da brasileira Rita Lee, que tive oportunidade de comprar faz agora dez anos em São Paulo, numa maravilhosa discoteca com vários andares e muitas escadas rolantes que me fizeram sentir numa metrópole cheia de cor e vida, quase desconhecedor que ali ao lado do rio Tietê andavam miúdos a apanhar latas de cerveja e morriam a cada dia dezenas de pessoas vítimas de tiros de pistola.
Mas foi mesmo o facto de as pessoas morrerem de tiros de pistola que me fez pensar que este pessoal vivia num país do "terceiro mundo" e que dez anos passados eu vivo como eles, porque isto da globalização também tem os seus defeitos. E porque vivemos todos no "terceiro mundo", perguntarão vocês? simples... estamos todos no terceiro mundo porque ainda nos matamos a tiros de pistola, correndo o risco de passarmos alguns tempos na prisão, não muitos, que os nossos juízes são compreensivos e aceitam que em cada assassino há um "anjo gabriel" prontinho a dar às asas e cantar salmos de louvor aos Deuses e uma confissãozinha com arrependimento, se não dá vida ao morto, alivia-lhe a alma na subida aos céus.
Mas estamos a caminho do desenvolvimento pleno e nada melhor que matarmos os gajos que não gostamos com automóveis em vez de pistolas, o que bem vistas as coisas só traz benefícios na medida em que é mais fácil acertar na vítima com um carro que com uma bala, não temos que andar à procura de um carro para roubar e fugir e podemos ir até à esquadra depois do jogo de futebol na tv, que assim os guardas até agradecem.
Tudo isto porque ouvi hoje na tv que o motorista profissional de táxi que, bêbedo, atropelou 4 jovens numa passadeira de peões, fugiu sem prestar auxílio às crianças, uma delas ainda em estado de coma no hospital, pagou a multa por ir com os copos a conduzir e já se encontra feliz da vida a trabalhar. Ainda dizem que a justiça anda a passo de caracol...
A partir de agora só um indivíduo sem qualquer nível compra uma pistola para matar alguém, ainda por cima com a possibilidade de ser apanhado e passar algum tempo na prisão. Nada melhor, até para simplificar o processo em tribunal, que comprar um desses carros velhos "em fim de vida", por quaisquer 500 ou 600 euros, mais barato até que uma pistola jeitosa e aí vai disto, passa-se o vizinho a ferro na passadeira e diz-se que nos distraímos a olhar as pernas da mulher dele...
Só precisamos que a Rita Lee, a cantora brasileira, mude o refrão... Que tal "papai me empresta o carro, para passar o gajo a ferro"?

sexta-feira, 28 de março de 2008

DÁ-ME O TELEMÓVEL!

Ultimamente tenho lido algumas coisas sobre todas aquelas alterações sintáticas, morfológicas e outras que me esqueci, mas que vou tentar saber junto das colegas da área de letras, como se dizia há uns anos atrás, e que saiu a público como "Novo Acordo Ortográfico", necessário segundo os especialistas, para uniformizar a língua portuguesa entre todos os PALOPs, em geral e zonas de Miranda e Minde em particular. Isto no que diz respeito ao texto escrito, porque no falado cada um faz a "piação" conforme lhe der mais jeito.
Se alguma vantagem traz o "novo acordo ortográfico" é não haver necessidade de escolher aqueles downloads marados e executá-los com "português de Portugal" ou "português do Brasil", tal como vem nos programas com que vamos enchendo a "carroçaria" do nosso portátil. Assim, a vidinha fica facilitada e dentro de algum tempo estaremos a executar programas na internet com "português dos PALOPs", o que bem vistas as coisas, nos coloca ao lado da Commonwelth, com a importância geo-estratégica que daí advirá e até o "anti-acordo" Vasco Graça Moura acabará por concordar.
Mas o que me trouxe a esta crónica e ao título (não tem nada a ber com o Porto, carago!) é o facto de não termos capacidade como povo, para aceitar que a sociedade evoluiu e que o que em determinados momentos alguns sectores mais conservadores preconizam é o regresso... esquecendo o progresso.
E o progresso é que está a dar!
Ainda não repararam que tudo se alterou?
Trinta anos antes...
- Pai...
- Que é?
- Eu gostava de ter uma camisola...
- Uma camisola? para quê? não te chega essa que tens vestida? levas mas é uma galheta...
Uns dias depois...
- Mãe...
- Que é?
- Eu gostava de continuar a estudar...
- És parvo ou quê? os teus sete irmãos andam todos a trabalhar e tu ias estudar... vais mas é trabalhar que já tens bom corpo, que eu também não fui à escola e ainda não morri.
Trinta anos depois...
- Oh pai, gostas da minha camisola?
- Onde é que foste arranjar essa camisola do Benfica?
- Oh meu, integrei-me na Juventude XXIII e deram-me 3 petardos e esta camisola do Cardozo... os petardos mandei-os ao árbitro, mas a camisola não...
- Boa, vê lá se gamas uma para mim... pode ser do Leo, que eu sou assim pequenino como o gajo.
Uns dias depois...
- Oh velha, tens de ir à escola, porque a "stôra" de Francês quiz-me tirar o telemóvel na sala de aula quando tu me estavas a ligar, eu dei-lhe um encosto, "amandei-a" contra a parede e disse-lhe que tu ias lá resolver o problema...
- Ah sim, agora implicam com o teu telemóvel? amanhã vou lá dizer-lhe que o telemóvel é teu e está pago, que é para ela saber e se me começa a chatear ainda leva duas galhetas na tromba.
- Assim é que é, oh velha! olha, podes carrregar-me o telemóvel com mais 15 euros? é que ainda me pode calhar um mercedes...
Trinta anos depois...
(ainda não chegámos lá, mas vocês calculam, não?)

quarta-feira, 19 de março de 2008

"DIA DO PAI"

Nesta quarta-feira de chuva e frio, 19 de Março de um dos muitos calendários, acharam por bem comemorar o "dia do pai", todos aqueles que, como eu, precisam de inventar em cada dia um elo de ligação aos outros e neste caso aos filhos. É comercial? humano? socialmente aceitável? psicologicamente motivador? acredito que sim...
Acordei manhã cedo e logo o infatigável Macedo, na Antena 1 me lembrava o "dia do pai", a necessidade de recordar, com um abraço, uma prenda, um telefonema, aquela pessoa que nos ensinou a andar, a falar, a saber ouvir sim e não, o homem que foi nosso "herói" e que com o rodar dos anos foi exemplo, companheiro, amigo e no final... sábio.
O meu pai, infelizmente, já não pode (ou será que pode, lá no silêncio das estrelas?) ler estas palavras que evocam um homem bom, distante e próximo o suficiente para sentirmos a sua presença, o seu apoio, músico excelente que não me cansava de ouvir e que em cada dia festivo era admirado e elogiado pelas suas qualidades.
Foram mais as dificuldades, tempos difíceis que passaram e que calejaram essa geração da 2ª Guerra para saber ultrapassá-las, pais de um país pobre, económica, cultural e socialmente, onde os filhos quase sempre ficavam pela instrução primária e eram mão de obra barata quando ainda não tinham deixado de ser crianças.
Não gostava de praia, mas ia levar-nos ao areal da Foz, onde esperava pacientemente o fim de tarde de um qualquer dia de verão para nos trazer de volta a casa.
Mas gostava de "correr" de bicicleta (diziam-me em pequeno que era um bom ciclista e ganhava provas nas aldeias), ir ao café com a família, só ao sábado, como era normal na época , conversar com os amigos, ler a "A Bola", ir comigo ver o Benfica ao Estádio da Luz, naquelas noites de 4ª feira europeia, ver vencer o Dukla de Praga, o Feyoonord, o Vasas de Budapeste, o Real Madrid, sei lá... nesses anos sessenta era ele o meu "herói".
Crescemos ambos, fui à minha vida, como era normal acontecer e a casa cheia dos anos sessenta foi ficando para os pais viverem a sua vida, para aqueles dias de férias ou uma ou outra visita ocasional, em que o encontrava sentado no "seu" sofá, com aquele sentimento de quem estava em paz com todos. Acho que não conversei com ele tanto quanto devia, mas os nossos silêncios foram sempre pontes que nos ligaram durante todo aquele tempo em que nos fomos conhecendo e construindo.
Ele nunca o disse, mas orgulhava-se do caçula, tenho a certeza, da forma como fui crescendo, do trajecto escolar, desportivo e profissional, mas tudo isso só aconteceu porque tive este pai herói, companheiro e sábio, pela forma como soube dizer-me muitas coisas, às vezes só com o olhar, um sorriso ou meias palavras. E eu, que nunca comemorei "dias", estou agora a lembrar-me do "dia do pai", especialmente porque tive um dos melhores e procuro ser hoje tão bom como ele, fazendo por merecer as mensagens que o telemóvel hoje me trouxe e que me souberam melhor que um folar da Páscoa.
Não, não esqueço os pais sem filhos, todos aqueles que gostariam de receber um pequeno gesto, um carinho e que por um ou outro motivo estão impossibilitados de comemorar. Para eles vai esta minha crónica.

segunda-feira, 17 de março de 2008

A LEGITIMAÇÃO DO CALHAU.

De quando em vez vou até à minha mini-biblioteca, com aquele misto de curiosidade inexplicável que me faz percorrer os livros pela enésima vez, com a sensação de que nunca lá fui, de que tudo aquilo é novidade, e retirei um com o sugestivo título de "a docência como profissão" da autoria de Carlos Loureiro, mestre em Educação Física e professor na Escola Secundária Júlio Dantas em Lagos.
O título do livro é em si mesmo uma busca incessante de um conceito profissional, que leva às mais variadas desconstruções e porventura desvalorizações de todos os matizes económicos, sociais e políticos, sem qualquer valorização hierárquica e com a premissa "matemática" da ordem dos factores ser arbitrária.
Queremos com tudo isto dizer que a docência não é profissão? se, conforme as características das profissões, elas se regem pela prestação de um serviço, pelo aproveitamento de um saber, pela remuneração, pela avaliação e pela relação entre quem fornece o saber e quem o recebe, podemos concluir que quase nada escapa ao conceito de profissão...
Mas logo apareceram uns teóricos que compartimentaram a profissão para que quem tivesse dúvidas pudesse escolher o "fato à medida"... e não foram de modas: "subprofissão", "pseudoprofissão", "profissão marginal", "quasi-profissão" ou "semiprofissão". A partir daí foi fácil a apropriação destes diferentes conceitos para denegrir a imagem dos segmentos profissionais e sociais que em cada momento devem ser "exterminados" pelo poder (em sentido figurado, porque já não estamos na "idade da pedra"), através de alguns jornalistas mais próximos da facção no poder. Outros aparecerão quando a mudança de poder acontecer, daí o facto de não termos, eu e mais uns milhões, qualquer tipo de ilusão. Já basta desejar que o Benfica ganhe o campeonato...
Todos os conceitos que referi, levaram-me a conjecturar uma definição para cada um deles, que tentarei desenvolver, sei lá...
"subprofissão" - um tal adolescente Rangel, mau estudante, indisciplinado e delinquente no Liceu de Sá da Bandeira, em Angola nos anos 60, treinando a "subprofissão" para uma possível entrada com armas e bagagens no "submundo".
"pseudoprofissão" - um tal jovem Rangel, radialista numa emissora de rádio de Sá da Bandeira, sem qualquer formação profissional nem avaliação, mas com a mania que sabia colocar no ar discos de vinil.
"profissão marginal" - um "et cetera" e tal Rangel de meia idade, com um berbequim nas unhas, a tentar arrombar uma porta da estação de rádio TSF.
"quasi-profissão" - Um Rangel e tal, com um quasi-diploma, a leccionar Comunicação Social numa universidade de "vão de escada", onde foi colocado pelos amigos e sem qualquer concurso ou avaliação. Parece ter no registo biográfico uma declaração da SIC-Bolsanamão, TSF e Rádio Sá da Bandeira, com pós-graduação.
"semiprofissão" - Um "sempre em pé" Rangel, com semi coluna no Correio (Diário da Manhã), semi-professor universitário, semi-indemnizado da RTP com 650.000 euros dos meus/nossos/vossos impostos e semi-reformado...
Um dia este Rangel vai ser o tema da minha tese de mestrado, mas... preciso de um fim de semana para a fazer.

domingo, 16 de março de 2008

A AVALIAÇÃO, POIS CLARO!


Já lá vão uns anos que em pleno segundo período do ano lectivo, levo os meus jovens alunos a abordar a dança, uma das muitas matérias em que, embora não especializado, fui fazendo a minha formação, através de acções técnicas organizadas e levadas a cabo pelo departamento a que pertenço. A abordagem e consequente incorporação nos programas da disciplina de novas modalidades desportivas e culturais tem levado muitos profissionais de Educação Física (ou será Motricidade Humana?) a uma permanente actualização que não se compadece com imobilização ou cristalização de conhecimentos, como tenho lido em muitas crónicas jornalísticas, que denotam um total desconhecimento da realidade escolar.
Mas porque raio venho novamente falar de ensino, de educação e tudo o mais, quando desde há mais de um ano tenho o meu blog e nunca tinha tratado do assunto? não sei, na verdade este "tsunami" de críticas aos profissionais de educação deve ter uma influência decisiva para que o foco dos meus pensamentos não saia deste domínio.
Hoje, na rotina do café de Domingo, percorri o "Correio da Manhã", por especial favor do proprietário da pastelaria, jornal que só comprarei quando me esquecer de um tal Rangel, que me rangeu os dentes há uns dias... e não é que fui dar com semelhante criatura numa festa de apresentação do "Sasha", onde modelos, namorados, ex-namorados, jovens artistas jet-setianos sorriam para as fotos que irão encher as "holas" cá do sítio? é ali, naquele ambiente pós-moderno, com copos, fumo e o mais que eu não digo mas suspeito, que o Rangel prepara as suas "hooliganianas" crónicas? talvez fosse aconselhável recomendar-lhe que sopre o balão antes de começar a escrevê-las...
Pois, voltando à dança, não sabem quanto temos de ser amigos, companheiros descomplexados, compreensivos agentes de confessionário, para levar jovens de 17 anos a gingar, bambolear o corpo, promover a rotação da cintura, mexer os pés em ritmo binário e terciário, a agarrar a mão da colega ou do colega quando a turma tem 15 rapazes e 10 raparigas e não há o adequado parceiro de dança... o começo do bloco com os rapazes a recuar até à parede de topo do ginásio, escondidos atrás das colegas que não se escondem atrás deles porque a parede não deixa, os passes básicos do merengue, do vira, da rumba, do malhão ou da salsa, que só começam a ficar mais ou menos apreendidos na quarta ou quinta aula, a melhoria que lhes dá uma crescente auto-confiança. que os começa a fazer sorrir e a preparar-se para a coreografia final que todos querem apresentar nas duas últimas aulas de avaliação. O princípio, meio e fim de um processo de relação e socialização, tão necessário à construção do homem do futuro, o profissional capaz de interiorizar os benefícios das tarefas em grupo, da imagem simples que nos leva a dizer que o todo não é apenas a soma das partes.
Ahhh, mas já me esquecia do objectivo da crónica, da avaliação de desempenho dos diferentes técnicos com cinco anos de licenciatura, na maioria dos casos, que posteriormente concorreram a um estágio pedagógico com dois anos de duração e avaliação positiva. Estes professores, vão ser avaliados, através de objectivos pedagógicos, que perseguem; planos, fichas e acções que elaboram quase diariamente; análises e reanálises que vão corrigindo; pareceres e propostas que vão apresentando; supervisão pedagógica a que serão sujeitos em actividade pedagógica directa e presencial. Pois bem, eu acredito que a grande maioria vai demonstrar uma qualificação pedagógica bastante elevada, muito embora essa qualificação impeça mais de 90% dos professores de aceder aos últimos escalões da carreira docente, uma vez que dentro de 3 ou 4 anos não haverá vagas nesses escalões, o que é fácil entender, na medida em que os professores deixarão de sair ao fim de 36 anos, para saírem com 44, 45 ou 46 anos de serviço.

domingo, 9 de março de 2008

AFINAL POSSO DIZER QUE SOU PROFESSOR!


“ … não analisam o que dizem e a maneira de dizer. Já esqueceram há muito os alunos a quem deveriam transmitir o saber e o exemplo de cidadania que já não conseguem ser. Os professores perderam o norte.”
José Gil Serôdio, in “O Torrejano” de 7 de Março de 2008

“ … as escolas são talvez o mais firme reduto das esquerdas… e que o PCP é o mais forte poder instalado nas estruturas representativas…. Mas o eleitorado depressa reconhecerá a atitude de firmeza e razoabilidade que a ministra da Educação tem apresentado…”
Fernando Madrinha, in “Expresso” de 8 de Março de 2008

“ Desde que há democracia, não me lembro dos sindicatos terem deixado de exigir a cabeça do ministro ou ministra da Educação em funções. Começou com Sottomayor Cardia… hoje os professores são colocados com garantia de três anos no mesmo local. Este sistema educativo serviu para formar gerações de ignorantes, sem préstimo no mercado de trabalho de hoje. Eu se fosse professor estaria, no mínimo, incomodado com os resultados. No essencial, ela (a ministra) tem razão e todos nós, que não estaremos hoje a desfilar em Lisboa, já o percebemos.”
Miguel Sousa Tavares, in “Expresso” de 8 de Março de 2008


Confesso, eu fui um dos 100.000 professores que esteve na Avenida da Liberdade, ontem, dia 8 de Março de 2008, uma data que vai ficar cá dentro até ao final dos meus dias. Não estava muito entusiasmado com a ideia de ir a Lisboa, afinal tinha muita coisa para fazer em casa, uns testes para elaborar, a fim de testar os conhecimentos adquiridos pelos meus jovens amanhã de manhã e sabia que era um dia que me ia fazer falta, mas comprei o “Expresso” e recebi o “Torrejano” no hipermercado logo pela manhã. Confrontado com as pérolas literárias que reproduzo acima, nem hesitei, corri para o autocarro e só parei no Marquês de Pombal. Às vezes bendigo as crónicas do Miguel Sousa Tavares, o jornalista que manda umas “bocas” num qualquer telejornal, dono de um total e globalizante conhecimento que lhe permite discorrer sobre qualquer tema, tal qual o doutor Rebelo de Sousa, escreve as tais crónicas semanais do “Expresso” ou uns livros comerciais, bem produzidos (e nós sabemos bem a falta que faz a um escritor uma boa produção…) que alguns críticos invejosos disseram ter um deles sido escrito através de plágio, para concerteza receber pouco mais de 1500 euros mensais, como esses tais fomentadores da ignorância recebem por 35 horas semanais de actividade burocrático-pedagógica (falo por mim, "professor titular", com 36 anos de serviço). Já alguém se lembrou de saber o que pensam os cônjuges dos professores sobre a bela vida que levam?
Não sabia da posição radical de Fernando Madrinha, até porque ao longo dos anos o vi escrever de uma forma calma, responsável e partidariamente independente, como se exige a um jornalista, porque para tomar partido devia escrever para o Avante, o Portugal Socialista ou outro qualquer. A propósito sabe Fernando Madrinha que o seu “Expresso” subiu em Janeiro 3,5% quando a inflação era estimada em 2,1%? Não o vi escrever que estava contra os mais poderosos que têm a faca e o queijo dos preços na mão… mas deixemos para lá, que estamos a falar de professores.
Do Gil Serôdio, não poderei dizer muito, apenas que deve ter tido professores que não lhe transmitiram o saber que hoje empresta aos textos que escreve, nem lhe serviram como exemplo de cidadania. Uma lástima estes professores…
Pois meus caros, não sei se conhecem o dia a dia de uma escola, não sei quantas vezes os três escribas acima mencionados têm entrado nas escolas públicas portuguesas nestes últimos anos, mas sempre lhes digo que têm saído das escolas públicas os excelentes técnicos que enchem o país de empresas dinâmicas e competitivas, os inventores da via verde, dos carros movidos a electricidade (e o governo assobia para o lado, como é o caso da Universidade de Aveiro), dos jogos de computadores, do software informático, dos laboratórios químicos, da programação, dos jovens estudantes que entram em medicina nas principais universidades europeias, dos jovens escritores, dos jovens investigadores espalhados pelos maiores centros científicos da Europa e América, dos jovens músicos (e o governo a querer mexer no que está a funcionar bem…).
Por mim, professor, sei bem a diferença entre os 20% dos jovens do secundário de há 30 anos e os 95% dos jovens do secundário de hoje em dia, mais abertos, mais inteligentes e mais desenvolvidos. Podem não saber a “linha da Beira Alta”, mas são uma geração aberta ao novo e moderno conhecimento.
Quanto aos professores, são uma classe profissional com um elevado nível científico-pedagógico, como é exigido nos dias de hoje, tentam todos os dias desenvolver estratégias positivas para melhorar o nível dos seus alunos, embora alguns desses jovens não queiram nada com a escola. Acreditam os críticos que os professores têm prazer em reprovar os seus alunos?
Uma avaliação do trabalho docente desenvolvido sem subterfúgios, onde os melhores vejam reconhecido o seu trabalho, uma gestão escolar onde aos responsáveis sejam concedidos os meios necessários a um trabalho gratificante, sem orçamentos que só dão para pagar a água, luz, telefone e papel higiénico, quando dão, um estatuto do aluno que lhe dê mais responsabilidade nos direitos e deveres, uma escola que tenha o apoio e a presença efectiva dos pais e encarregados de educação nos seus órgãos (sabem que cerca de 90% dos pais dos alunos do secundário nunca foram à escola dos filhos?).
Que melhor exemplo de cidadania e de responsabilidade social e educativa que aquele desfile de 100.000 professores na cidade de Lisboa? Tive oportunidade de participar e observar tantos e tantos milhares de colegas e vi que não podia estar ali uma corporação a defender privilégios. A atitude colectiva era apenas a exigência de respeito e dignidade a uma classe de que me orgulho de pertencer.


quarta-feira, 5 de março de 2008

O GAJO DO FERRARI


O Ferrari era o máximo, reluzente passava pela ribeira a horas mortas, talvez até pela faceta humilde e pacata do seu proprietário, um jovem de vinte e poucos anos, filho de família pobre, que tinha a pulso subido na íngreme rampa social, onde é tão difícil arranjar ferraris em tão tenra idade.
- Oh meu, o teu carro é um espectáculo!!! (talvez até melhor que a mulher do Figo).
Fez-se silêncio... o rapaz abriu o vidro do ferrari e olhou fixamente, preenchendo aquele vazio com um olhar gélido, tão frio quanto o gelo dos wiskys que tinha acabado de emborcar no bar da ribeira...
- Um espectáculo é a tua prima, pá! (talvez até melhor que a mulher do Figo).
Aí o clima distendeu-se e pareceu ouvir-se uma gargalhada geral, muito embora áquela hora, esta malta da noite só goste de se rir com um charrito bem aspirado.
- Ouvimos dizer que andas a dar umas informações à "Judite"... põe-te a pau que o ferrari só tem uma vida, não é como os gatos...
- Isso é tudo uma cambada de invejosos e drogados, sem categoria para me tocar no cabedal... eu sou novo, vim do nada, tenho os meus negócios, dou-me bem com toda a gente, estou bem encostado... não me vêem na Sé a rodar uma revista do Correio da Manhã para receber um euro e queimá-lo numa limonada de merda. Apanham-me tanto a mim como aos chefes de claque e presidentes de clubes de futebol.
- Olha que quem te avisa teu amigo é... estás a subir muito depressa e toda a gente olha para o ferrari. Depois, és novo, sabes... e é uma pena.
A noite está cada vez mais escura e já ninguém sabia com quem falava, parecia até que as palavras caíam pelas paredes da casa de alterne "A Ribeira" e passavam pelo segurança, dois metros de tecido preto e um corpo esteroidalmente perfeito, personalizado com uma 6,35 prateada e ostensivamente exposta para que não houvesse mais ruído no largo. O dono do ferrari percebeu tudo e alguns segundos depois só os pneus chiaram na noite portuense.
E os negócios corriam tão bem, a "Judite" talvez facilitasse uns negócios no stand de automóveis em troca de umas informações sobre a maralha das claques e dos tiros à porta das discotecas, que deixaram os intestinos de uns quantos, incapazes de fazer alheiras de Mirandela.
Soube-se ontem que o rapaz do ferrari teve um acidente, talvez por excesso de velocidade, segundo a "Judite" e foi de churrasco tal qual o ferrari, sim, sim, um acidente pois claro, nem podia ser outra coisa, o rapaz era uma jóia e quem anda numa máquina daquelas corre sempre esse risco.
Eu estava para comprar um ferrari, mesmo desses falsificados, mas já vi que é muito perigoso... os acidentes acontecem quando menos se espera, não é Judite?