quinta-feira, 9 de agosto de 2012

BARATO? NUNCA!

Fiquei esta manhã muito surpreendido, bem, muito surpreendido em Portugal não será o termo adequado, porque a margem de surpresa está tão por baixo que já começo a achar tudo muito normal, aceitável... e aquele tempo todo da minha juventude em que andei a estudar a Introdução à Organização Política e Administrativa da Nação (se não era assim, era parecido), parece-me hoje um tempo perdido, que poderia ter sido preenchido com mais praia, mais jogos e mais amizades, sei lá até se não estaria hoje a receber equivalências "à Relvas", que me dariam, como a ele, para ser professor universitário, um cargo que ninguém se lembrou de enaltecer e de averiguar como um idiota que tira uma licenciatura "equivalente" pode dar aulas de "gestão política" numa universidade em Portugal.
Mas eu não estou a escrever esta crónica para falar de Relvas, embora o facto de ter cortado a relva do meu jardim durante a manhã possa ter influenciado o meu subconsciente... não, o que eu quero escrever hoje é sobre um dia 1º de Maio em que um indivíduo rico, quis assinalar o dia Mundial dos Trabalhadores com uma proposta que só os trabalhadores podiam e deviam agradecer, ou seja, comprar artigos num supermercado a metade do preço. Eu, pessoa simples e pragmática achei bem, não comecei a inventar análises políticas e económicas para tentar chegar à conclusão de que o capital estava a ganhar com o negócio e o trabalho estava a ser vítima de uma ratoeira económico-financeira, mas apenas olhei para factos e na verdade só me veio a cabeça uma oportunidade de quem tem pouco dinheiro poder usufruir de um desconto real e comprar artigos a metade do preço.
Logo vieram uns entendidos, com uns calhamaços de direito debaixo do braço, dizer de sua justiça e tentar encontrar ali, propósitos inconfessáveis de uma empresa que talvez estivesse a realizar "dumping" e com isso a fazer concorrencia desleal. Mas estaria a beneficiar os consumidores? humm, talvez não, sabe... é que quando baixam o preço nuns artigos, aumentam nos outros; mas olhe que fizeram o desconto de 50% em todos os artigos... pois, mas isso não se enquadra no Código Comercial e aí a empresa pode ser sujeita a coimas, porque a lei da concorrencia e tal...
E eu que pensava que quando os preços eram mais baixos, o governo ia ficar contente porque isso ia favorecer a qualidade de vida dos cidadãos em geral e dos trabalhadores pobres em particular... mas não foi assim e no final o tal supermercado terá de pagar trinta mil euros de multa a uma instituição do Estado.
Isto fez-me pensar se sou eu que estou de perfeito juízo ou é o governo que tem por lá um juíz perfeito e na verdade eu compreendo hoje o alcance destas decisões, destas contravenções que devem ser punidas com mão firme. Então vocês já repararam que foram vendidos milhões de euros de mercadorias a metade do preço e com isso o governo perdeu em IVA metade do que era suposto receber se não houvesse promoção?
Pois então vocês não vêem que um governo que vive à comissão, à percentagem, tem todo o interesse em que as mercadorias sejam cada vez mais caras? então toda a gente vê que os combustíveis estão cada vez mais caros e isso é do interesse de quem vive de impostos à percentagem?
Aí está tudo bem, desde que o IVA se aplique a preços cada vez mais altos. Agora artigos a metade do preço? vocês querem dar cabo do Orçamento de Estado, é?

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

EXPLIQUEM-ME A CRISE, POR FAVOR!

Expliquem-me a crise, como se eu fosse burro! houve um tempo em que se brincava com frases parecidas com esta, mas começo a pensar que a brincadeira já está a ir longe demais, tantos os especialistas que dia após dia aparecem nas televisões a mandar "bitaites", como diria o professor Hernâni Gonçalves.
Li há dias uma frase fantástica, onde, mais palavra, menos palavra, se afirmava serem os economistas os técnicos mais capazes de cientificamente prever como tudo vai acontecer e de justificar ao pormenor posteriormente porque nada do que previram aconteceu... e essa frase se tem a sua piada, começa a convencer-me que é mais real do que parece.
Então não é que aquela classe privilegiada que são os funcionários públicos, toda a vida beneficiários de um estatuto tão bom, que até parece estranho que nem um faça parte dos 100 mais ricos do país, viram-se sem os subsídios de férias e de natal, só porque o patrão "Estado" não tem dinheiro para lhes pagar?
Ainda nenhum desses especialistas que debitam na televisão esclareceu porque só os funcionários foram espoliados dos subsídios, mas talvez porque só o patrão "estado" não tenha dinheiro para lhes pagar, o que me leva a admitir numa sociedade de direito que também as empresas com prejuízos tenham moral para não pagar os subsídios aos seus funcionários.
Mais interessante é saber porque é que o Estado não tem dinheiro para os compromissos. Os funcionários roubaram o dinheiro? os funcionários não pagaram sempre os impostos devidos? os funcionários não descontaram o que era devido?
Os especialistas não explicaram nada, disseram apenas que o Estado não despede os funcionários... ah não? então esperem por Setembro e vão encontrar 20 mil professores nos centros de emprego, alguns deles com 15 ou 20 anos de trabalho consecutivos. Ainda está para nascer a primeira empresa privada que despeça de uma só vez 20 mil funcionários, mas ainda não me convenceram que esta coisa do privilégio dos funcionários públicos não exista.
Só preciso de mais uma explicaçãozinha para me convencer plenamente da justiça do corte só para alguns. O Estado pediu dinheiro emprestado para construir a Expo98? e gastou dinheiro em estádios do Euro2004? e gastou milhares de milhões de euros a construir 43 auto-estradas? e gastou mais milhões a construir pontes em Lisboa, Coimbra, Vila Real de Santo António, Porto, Castelo de Paiva e tantas outras localidades? e agora uma pergunta ingénua: o Estado endividou-se, pediu dinheiro emprestado e fez estas obras todas só para os funcionários públicos? então se todas as obras foram feitas com a assumpção de dívidas por parte do Estado e para benefício de todos os portugueses, agora que é preciso pagar, vai-se só aos subsídios dos funcionários publicos? então os privados não andam nas auto-estradas e ex-scuts, pontes, expos e estádios?
Espero que me expliquem sim, mas de maneira que eu não me sinta burro, ok?

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

FÉRIAS

Neste ano de 2012, já lá vão sete meses e apenas fiz uma crónica, o que demonstra bem a preguiça da escrita, pois falta de motivos foi coisa que nos últimos meses não tem acontecido, basta olhar os jornais que, diariamente nos oferecem histórias bem interessantes, sobre assuntos também interessantes de pessoas que eu acharia, à primeira vista apenas desinteressantes.
O facto mais palpável para esta preguicite aguda poderia resumir-se a tanta coisa, à crise, ao governo, ao trabalho, à certeza de escrever como catarse individual, mas não foi nada disso... apenas a assunpção de um novo estado, o de ter entrado de férias permanentes e ter alterado todos os meus planos de curto e médio prazo, que longo prazo é coisa que já não se usa.
Escrever é doloroso, já dizia Pessoa e ainda há uns dias na RTP Memória, Rómulo de Carvalho, o "pai" de António Gedeão dizia o mesmo, não é fácil jogar com as palavras e nada tem tempo marcado... a poesia começou para ele aos cinquenta anos de idade e mesmo assim ainda foi a tempo de me deixar disfrutar das 725 páginas da sua obra poética. E aí está sim, a razão mais que legítima de justificar este tempo de não fazer nada, de não querer saber de nada, de me deixar anestesiado perante situações que me fariam correr a escrever crónicas há um ou dois anos atrás.
As férias são boas sim, nos deixam num  estado diferente, relaxado, mais descontraído, mas se se prolongam no tempo, retraem, inibem, bloqueiam o suficiente para que tudo vá ficando para amanhã, tudo vá sendo adiado e se caímos nesse circulo fechado é difícil sair para novos e mais aliciantes desafios.
Outro pormenor importante são as "férias"  a que um milhão de pessoas foram forçadas pelas orientações neo-liberais do governo de Portugal, as quais se revelam a cada dia mais desastradas porque nada se alterou de significativo no deve-haver da comunidade, ficando as pessoas sem saber o que lucrou o país do esforço a que foram forçados todos os que ficaram sem dinheiro e os que ficaram sem trabalho, até porque muitos dos que fazem parte das elites nada sofreram com a tal crise e continuam a esbanjar dinheiro que nem é deles.
Mas o mais curioso é que ninguem percebe que a classe média é a unica que, porque é inteligente e pensa, vai-se adaptar muito rapidamente aos cortes a que foi sujeita e vai fazer  contas e tomar decisões, como por exemplo não comprar carro de 5 em 5 anos, mas comprar de 15 em 15, não comprar computadores, telemoveis e tvs enquanto os antigos não se estragarem, viajar mais económico, trocar as scuts e auto-estradas por estradas nacionais, enfim a classe que consome vai deixar de consumir e o Estado vai deixar de ter as receitas que precisa, com a agravante de as pessoas concluirem que muitos dos seus gastos nem se justificavam, como é por exemplo o meu caso, que não recebendo subsídio de férias, fiquei em casa e sinto-me tão bem ou melhor do que se andasse em albufeira a passear pelos mesmos sítios, a empurrar e a ser empurrado nas ruas estreitas durante uma semana a troco de uma pequena fortuna.
Será que quando voltarem os subsídios vou a correr gastá-los ou já me habituei a uma vida económica? acho que nada vai ser como antes.




sábado, 28 de abril de 2012

BALANÇO...

Ao fim de vários meses de interregno, entendi escrever esta crónica, muito embora o objetivo não seja conseguir chegar a conclusões que meia dúzia de meses não possibilitam, mas terei todo o tempo do mundo para confirmar, reformular ou contrariar os pontos de vista que agora transmito.
Viver no Brasil, em especial no Rio Grande do Norte, aqui bem perto da linha do Equador, onde o calor e o sol permanecem quase inalterados durante todo o ano, é assim tão diferente de viver em Portugal? Os parametros de observação são tão diferenciados, que se os analisasse com alguma profundidade que o tempo aqui vivido não permite, daria uma boa tese de mestrado e não é isso que pretendo, apenas porque sou das ciencias da motricidade e não abarco alguns conhecimentos necessários a uma crónica mais elaborada.
Então, indo pelo caminho mais fácil, vou tentar comparar o incomparável, vou dizer o óbvio quando afirmo que o Brasil é uma sociedade mais aberta tanto quanto o permitem as pessoas, as circunstancias e o contexto, porque a alegria do carnaval não se transmite aos passageiros de onibus encurralados entre o midway e o natal shopping...
O Brasil é um continente e comparar um gigante com um pequeno país como Portugal é um abuso que me permito fazer sem que me leve muito a sério e sem que alguem possa comprovar ou reprovar o que me vem à cabeça, apenas a transmissão de sensações, o calor que eu gosto, o sol, a água do mar, quente para os padrões europeus e atlânticos, a música em quase todos os bares, as letras de centenas de canções que homens e mulheres cantam em conjunto, o forró, as vaquejadas, as festas por qualquer motivo e em qualquer lado, os amigos, os conhecidos, os amigos dos amigos, o churrasco, as espetadas, o camarão, a quentinha, o pirão, o restaurante caro e o barato, o trabalho desqualificado que anda na rua compra, vende, arruma, lava e guarda carros, mete combustivel nas bombas, arruma as compras de hipermercado nos sacos do cliente (dois funcionários em cada caixa, sim), vende tudo na praia e só não vende a praia porque não calha, faz do Brasil um país com 6% de desempregados, o que me leva a pensar que com todos estes postos de trabalho também não havia desemprego na Europa.
Santa Rita onde vivo, é um bairro suburbano, dos muitos de Natal, a capital do Rio Grande do Norte e só tem uma rua asfaltada, a principal, porque tudo o resto é terra batida, os contentores do lixo ainda não existem e cada casa tem uma loja, um bar, um restaurante de onde a ASAE não ia sair viva se lá entrasse, mas o ambiente fervilha mal o sol aparece as 6 da manhã, onde tudo parece faltar e tudo vai acontecer em cada dia porque todos parecem ter um papel importante a desempenhar.
Vive-se bem? e o que é viver bem no Brasil ou em qualquer país do mundo? hoje é sexta feira, a festa já começou em cada esquina, em cada bairro, em cada discoteca, as pessoas estão na rua para festejar mais um fim de semana, a cerveja vai beber-se gelada até o sol nascer, tanto na desvalorizada zona norte como na prestigiada zona sul de ponta negra, porque o brasileiro quer viver a vida, gosta de musica, de dançar, beber, conversar, divertir-se e tem com ele a vantagem das noites quentes durante todo o ano...
O Brasil não quer saber de crise, que as que teve já lhe chegaram e tenta ser um país atrativo, moderno, avançado, também à custa do empenho, mas convém lembrar que ainda falta muito para que todos se possam sentir confortáveis social e economicamente.
Portugal é diferente? claro que sim, é uma sociedade mais fechada, onde em dez meses por ano se fecha em casa, pelo frio e pelas dificuldades para manter a qualidade de vida a que se habituou, a casa, o carro, os filhos na universidade, as férias de verão.
É um país europeu sim, com quase mil anos de história e de construção de património que lhe dá uma imagem de país desenvolvido que não podemos subestimar, onde quase 100% do país tem saneamento básico, onde os contentores de lixo em cada rua de cada aldeia são uma coisa natural, onde se bebe água da torneira sem medo de adoecer, onde os passeios calcetados e as ruas asfaltadas são uma realidade e as de terra batida uma raridade, mas com uma população fechada e quase depressiva que até tem vergonha de cantar os "parabens a vc!".

O Brasil tem moteis aos milhares e Portugal compensa essa falta com repartições de finanças... o objectivo é o mesmo, mas no Brasil dá mais prazer!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A VOLTA PERFEITA


Foi a 14 deste mês que dei corpo a um projeto, na continuação de outras voltas de bicicleta efetuadas em 2009 entre Donaushingen e Budapeste, o qual me permitiu dar meia volta a Portugal em bicicleta, com uma incursão pela Galiza, cheia de subidas, só para testar a minha resistência. Quando todos me chamavam maluco, não acreditando que pudesse levar a cabo esta tarefa com que tinha preenchido os momentos de lazer a ver mapas, parques de campismo e estradas com ou sem ciclovias, eis que pego na bicicleta e arranco de Alcanena na manhã de 14 de Setembro de 2011.
Com uma pedalada vigorosa, ataquei a serra d`Aire em direção a Porto de Mós, numa velocidade que me deixava admirado das minha próprias capacidades, mas inconscientemente sabedor de que a Figueira da Foz ainda estava longe, o que se confirmou ao fim da tarde e ao fim de 134 kms, com a chegada ao parque de campismo da Figueira, cansado como nunca e incapaz de acompanhar o jogo Benfica-Manchester, adormecendo no início da segunda parte à mesa do bar do parque.
Primeira noite mal dormida e nova jornada, que me levaria até à praia do Furadouro, com uma subida entre Buarcos e a serra da Boa Viagem, passando pelo cabo mondego no meio de um nevoeiro quase cerrado, com ciclovias muito boas e estradas nacionais com pouco transito junto às praias, o que se compreende na segunda quinzena de Setembro, período sem veraneantes e no início de um novo ano escolar. Percurso mais ou menos plano na sua maior parte e um bom parque de campismo, onde um banho quente retemperador fez esquecer os 132 kms percorridos.
A terceira jornada inicia-se logo manhã cedo e tem como objetivo chegar o mais a norte possível, saindo do Furadouro através de uma estrada secundária que nos levaria pelas praias, em estrada plana e com ciclovias perfeitas, que nos ajudaram a chegar ao Porto ainda antes da hora de almoço, com muitas paragens para tirar fotos nas muitas praias de Gaia, desde Miramar à praia do Salgueiros, com muitos, bons e bonitos bares de praia, com passadiço sobre as dunas, percursos pedestres, ciclovias e estradas de cores diferentes para que ninguém se enganasse nos terrenos que pisava. Mas a tarde reservou-nos uma estrada secundária em direção a Vila do Conde, toda empedrada, por meio de fazendas e alfaias agrícolas, de tal forma que o corpo sofreu um desgaste enorme e compreendi que esta não tinha sido a melhor alternativa, o que só descobri quando cheguei à estrada nacional que, mesmo cheia de camiões, teria sido preferível. Vila do Conde e Póvoa de Varzim estavam ali à nossa frente e procuramos saber do parque de campismo a norte, de seu nome Rio Alto e propriedade da Orbitur. Afinal ainda faltava percorrer mais uns 15 kms e chegamos a Rio Alto através de mais uns quilómetros de empedrado, no meio de canaviais, cheiro a estrume e tratores agrícolas... isso mesmo, o fim do mundo! mas o banho retemperador e uma garrafa de coca-cola por três euros fizeram esquecer os 115 kms desse dia.
O 16 de Setembro, começou como sempre bem cedo, com a habitual partida por volta das 8 da manhã, já depois do banho quente matinal, do desfazer da tenda e arrumação de material e a saída do parque do Rio Alto em direção a norte, o mais a norte possível, claro, com a bicicleta a corresponder na perfeição, um pouco de óleo na corrente e a constatação de que tinha perdido a bomba de ar, bem como um parafuso da fixação dos alforges, coisa pouca que se não fosse arranjada poderia trazer problemas. O tempo estava muito bom, o sol era companhia de todos os dias, as estradas estavam com pouco transito, os hipermercados iam aparecendo nos momentos certos e pão, queijo, fiambre, croissants, bolachas, água (muita), sumos e fruta eram consumidos a cada duas horas de percurso, sem sair da bicicleta, porque encostada à porta de restaurante ou num qualquer parque das cidades, apenas meia hora e só ao almoço. Então fomos pedalando em estradas muito boas, amplas e planas, descobrindo Afife, Moledo e tantas outras praias, bem como Viana do Castelo, Vila Praia de Âncora, Caminha e La Guardia. O objetivo era irmos para Melgaço, mas o apelo do barco gratuito em Caminha na "Semana da Mobilidade" atirou-me para o outro lado e... foi a melhor opção. La Guardia foi a entrada ciclistica na Galiza e só parei ao final do dia no parque de campismo "Os Muiños", já próximo de Baiona, com 90 quilómetros percorridos, o percurso mais pequeno efetuado em toda a viagem, como tive oportunidade de verificar no final.
Domingo foi dia de companhia "ciclistica" entre Baiona e Portonovo, com largas dezenas de grupos de ciclistas a passarem por mim a "mil" e quando me diziam que eu ia devagar, desculpava-me com os 35 kgs de alforges. Belo percurso, com muitas paragens e fotos desde Baiona, passando por Vigo, Pontevedra, Sanxenxo e Portonovo, onde tive oportunidade de visitar Manolo e Nori, um casal amigo que me ofereceu um passeio, um belo jantar e uma dormida em colchão, o que ajudou a recuperar a forma física. Não posso deixar de referir um vinho "albarinho" e uma ternera grelhada deliciosa que me ajudaram a ultrapassar as debilidades de natureza física, acabando um dia de "escassos" 96 quilómetros percorridos.
A sexta etapa, começou na manhã do dia 19, segunda feira, com Ourense como destino final, sabendo de algumas dificuldades a partir de Pontevedra, com subidas muito significativas e onde comprovei um novo "teorema", que nos diz que a seguir a uma subida há sempre outra subida. Outra coisa que me desagradou sobremaneira foi o facto de subir durante três horas seguidas para descer depois durante 10 minutos, ou seja, não dava o prazer para o sacrifício.
Foi na verdade uma jornada muito dura, com subidas que chegaram no "alto das estibadas" aos 846 metros de altura, mas também para compensar, um restaurante no meio da serra que nos deixou muito boa impressão, quase lembrando aquelas "casas de pasto" familiares com a marmita da sopa na mesa, que ataquei sem receio e repeti, para depois estafar umas entremeadas muito saborosas, quer porque eram mesmo, quer porque eu devia estar com muita fome também.
A chegada ao parque de campismo de Ourense, a cerca de dez quilómetros da cidade, ao final de um dia desgastante, foi um bálsamo, porque este parque foi inaugurado no início do mês de Setembro e está muito bem equipado e tem uma localização fantástica, junto ao rio e a uma ciclovia que leva os campistas diretamente às termas, onde qualquer pessoa pode usufruir gratuitamente de um ou vários banhos termais. Tem também este parque uma situação que deve ser realçada, pois tanto no parque de campismo como nas termas, a maioria dos funcionários são pessoas com deficiência, constando de um plano de inserção social promovido pelo governo. E no final, contabilizamos 114 quilómetros, um percurso muito sinuoso e difícil que nos deixou convencido que no plano físico não havia que recear.
Dia 20 de Setembro nasceu como habitualmente, com bom tempo e um sol que queimava logo pela manhã, obrigando à aplicação do protetor solar e a saída de Ourense em direção a Chaves fez-se com a máxima confiança e a vontade de voltar a entrar em Portugal, embora estas coisas da divisão europeia se notem mais no papel que na realidade, porque "fronteira" é peça histórica e infelizmente a alfandega de Verin-Chaves é uma calamidade e uma vergonha, com um edifício público que poderia ser uma memória/museu ao abandono e com o telhado em ruínas, em contraponto ao lado galego perfeitamente preservado.
Facto a destacar foi a passagem em Xisto de Limia, uma localidade galega onde parei para tomar um café, ter no cartaz publicitário da praça local, um folheto vermelho e verde, de uma acção de sensibilização sobre a obra de Fernando Pessoa, o que me sensibilizou e fotografei perante a curiosidade de outras pessoas que frequentavam a esplanada.
Com um piso rápido, sem montanha, apenas com mais uma paragem em Verin, Chaves foi alcançada no final da tarde, num percurso de 121 quilómetros, com o parque de campismo afastado do burgo alguns quilómetros, pelo que apenas passeamos um pouco pelo centro da cidade e tiramos umas fotos na ponte romana, acessível a peões... e bicicletas.
Quarta feira, dia 21, aí estavamos nós em pleno nordeste transmontano, fazendo a ligação entre Chaves e Bragança, num terreno e região que, até agora, me era totalmente desconhecida. Foi um bom percurso, com subidas e descidas que já estavam de tal modo no nosso subconsciente que acho que iria estranhar se não aparecessem, com camiões subindo a vinte à hora pela encosta e nós a imaginarmos o bom que seria podermos ir à boleia agarrados ao reboque. Felizmente já não estou com idade para correr riscos e lá fui subindo a 8 kms/h, encosta acima, para a certa altura encontrar uma descida fantástica de vários quilómetros e onde atingi a velocidade record de todo o passeio, qualquer coisa como 64Kms/h... que adrenalina!
Percurso agitado mas curto, apenas 97 quilometros, que nos levaram ao Parque Nacional de Montezinho, em plena floresta e a cerca de dez quilometros de Bragança, no silêncio e no ar puro de uma recepção com a porta fechada porque a funcionária fazia de tudo um pouco e não podia estar em todo o lado. Bom banho, bom bar e boa refeição foram os ingredientes para um fim de tarde, pertinho de Bragança.
Dia 22 de Setembro trouxe para algumas cidades o "dia europeu sem carros" e, apanhado de surpresa vi-me a passear no centro da cidade de Bragança na minha bicicleta, com tempo e espaço para tirar umas fotos no centro histórico e comer um saboroso pastel de nata numa padaria/pastelaria tradicional. Achei a cidade de Bragança uma agradável mistura entre a arquitetura tradicional e a modernidade, com uma bela ciclovia no centro da cidade e ruas amplas, onde imaginei um inverno rigoroso com muita neve...
Daí parti em direção a Vila Nova de Foz Côa, pensando que a distância um pouco acima da média diária se faria sem problemas de maior, mas não foi bem assim, Alfandega da Fé apareceu no horizonte sem problemas no início da tarde, mas a partir daí as subidas apareceram, as obras dos IPs começaram a atrapalhar com muitos desvios e quando chegamos à barragem do Pocinho, só as vinhas do Douro nos distraíam um pouco do cansaço. Quando vimos a placa "vila nova de foz côa - 9 kms" respiramos de alívio! puro engano, apanhamos com nove quilometros de subida íngreme que nos deixaram de rastos. Essa noite, com cama e roupa lavada na Pousada da Juventude, foi um "quase milagre" que nos atirou para o sono pelas nove da noite. Se querem saber, é melhor pagar um pouco mais e ficar nas pousadas que frequentar o chão duro dos parques de campismo, mas o problema é que não há pousadas em todo o lado e parques sempre se vão encontrando.
No final, olhando o cronometro digital, verificamos que tinhamos andado muito e os 140 quilómetros atestam isso mesmo.
Sexta feira, dia 23, deu-nos mais um dia de sol, calor e sem vento, entre Vila Nova de Foz Cõa e Covilhã com uma estrada razoável, descidas pouco pronunciadas mas prolongadas que ajudaram a manter uma boa média e o almoço foi tomado em Celorico da Beira, num restaurante de ementa única e preço fixo, coma ou não a sobremesa, pelo que devorei duas sopas de hortaliça e meia duzia de grossas fatias de vitela no forno com puré de batata. Foi tão bom e saboroso que no final não me apetecia nada montar a bicicleta, mas " the show must go on" e ainda estavamos longe da Covilhã. O final de tarde veio quando chegamos à entrada da cidade e havia camping e pousada, só não havia era paciência para andar a procurar, daí decidimos que ficariamos no que aparecesse primeiro... foi o parque de campismo do "Ferro", o único em toda o passeio que não tinha internet, um reparo para a Camara Municipal da Covilhã. À semelhança da véspera, o cronometro marcou os mesmos 140 kms, o que está a fazer subir a média diária para cerca de 120 Kms por dia.
Sábado, dia 24 de Setembro, levar-nos-ia da Covilhã à Barragem de Belver, atravessando os distritos da Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Santarém, num total de 153 quilometros e cerca de 10 horas de percurso em cima da bicicleta, num percurso que passou por Fundão, Castelo Branco, Vila Velha de Rodão, Niza, Gavião e chegou ao parque de campismo de Ortiga, em pleno Ribatejo e ao lado da barragem de Belver.
A distância é enorme para um ciclo-amador, com bicicleta e 35 kgs de material nos alforges, mas não ultrapassa os 168 kms que na Alemanha fiz com o meu colega Carlos Marques há dois anos atrás.
Se houve subidas no trajeto? claro que sim, uns quilómetros a seguir ao Fundão e outros a seguir a Vila Velha de Rodão foram duros, especialmente na ribeira de Niza onde parei em todas bicas, mas a maior parte do percurso foi plana e as médias satisfatórias.
E chegamos à última etapa, a da "consagração", pelo que achei por bem reservar apenas os últimos 83 quilómetros para chegar de Belver a Alcanena, o ponto de partida e de chegada. Foi uma manhã bem saboreada, com paragens várias, em Abrantes, Entroncamento e Torres Novas, para completar o registo fotográfico.
Cheguei sim, mas as partidas e chegadas têm de estar sempre preparadas e agora só para lá dos 1435 kms desta volta.
Vamos a outra?

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O TAL PAÍS...

Os jornais são a minha fonte de inspiração quase diária, bem sei que eles são apenas um meio, um elo de ligação entre a realidade e o leitor, eu neste caso, mas para "quarto poder" como se intitulam os jornais é pouco sentirem-se na pele de intermediários da realidade, na grande maioria dos factos relatando apenas que "matou com três facadas", "abusou sexualmente", "roubou", "assaltou um banco" e tudo isto tem muito que se lhe diga, porque tanto pode ser um "zé desabrigado", como um "amorim corticeiro", o que pressupõe um jovem jornalista licenciado em comunicação social, com mestrado em intervenção social e justiça.
O jornal dá conta de um "jovem" de 23 anos que:
- nunca trabalhou, nem quer trabalhar e acha parvo o vizinho que se levanta as 6 da manhã para sacar 485 euros no final do mês;
- recebe o "rendimento social de inserção", que como o título indica, serve para inserir socialmente;
- sofre de toxicodependência, uma "doença" que só pela sua designação deveria ser catalogada no rol de doenças para-profissionais, com direito a pensão vitalícia;
- assaltou uma agência bancária, munido de uma tesoura, chegou ao balcão e sugeriu ao funcionário que lhe desse a "massa", porque aquilo era um assalto e poderia ter de lhe espetar a tesoura no pescoço. Ordinário, como demonstram todos os antecedentes, o presumível (como eu gosto deste conceito) deu à sola e chegou rápido ao entreposto de droga da zona, onde colocou o dinheiro a render na "bolsa da cocaína".
Com base neste atributos, a polícia foi onde já sabe há muito tempo onde estão todos estes personagens e apanhou-o sim, com heroína no bolso e já teso que nem um carapau.
O banco achou por bem nem reclamar, que uma perda de 180,00 euros não conta neste campeonato, o homem foi à presença do juíz (quando os havia, eram meretíssimos juízes) e foi mandado embora, com apresentações semanais na esquadra mais próxima da residência (estou mesmo a vê-lo com residência...), deve ter ficado com a heroína no bolso, porque é para consumo próprio, o polícia perdeu meio dia a preencher a papelada, o assistente social estará por esta hora a fazer um relatório e nós cá vamos cantando e rindo, levados, levados sim...
Na verdade, eu sempre entendi que numa altura de crise económica e social, o Estado não devia desperdiçar este mercado e os "centros de emprego" poderiam, através de uma formação complementar, certificar estes promissores empresários no ramo da drogaria e afins, decretando a liberalização da droga, fomentando a criação de "hortas carabinóides, cocaínóides e afins" e a comercialização de produtos nacionais, fomentadores de mais uma receita fiscal, a qual devido à procura e ao consumo, não deveria pagar o deficit, mas andaria lá perto.
Ahh, esquecia de dizer que o homem disse ao juíz que tinha roubado porque o rendimento social de inserção não chega para toda a droga que ele necessita. Quem pode ficar insensível a estes argumentos?



sábado, 27 de agosto de 2011

O QUE É UM RICO?



Nos últimos dias tenho lido alguns artigos de opinião sobre a possibilidade de serem taxados os rendimentos de algumas pessoas, talvez 1% da população portuguesa, ou seja, uns insignificantes, salvo seja, cem mil portugueses que já não conseguem gastar aquilo que amealharam, mesmo que para isso tirassem férias todos os meses, fossem para hotéis de cinco estrelas ou tivessem a mania de ir ao casino de vez em quando.
Na verdade, é gente que através dos mais variados meios, lícitos ou ilícitos, conseguiram acumular riqueza suficiente para si, para os que lhes são mais próximos e para mais duas ou três gerações, cumprindo sempre a lei, ora colocando capital em off-shores, ora pagando um pouco menos que o legítimo aos seus milhares de funcionários, mesmo que para isso se escudem em salários legais e de miséria.
Ferreira Fernandes (FF) é um jornalista que gosto de ler, que diz o que sente, alicerçado num passado que teve muito de vontade própria e que o fez descobrir a realidade, construindo uma argamassa cultural capaz de o fazer ver um pouco mais profundo que a massa ululante, armada ou não, que se vê em Madrid, Lisboa, Tunis, Tripoli ou Londres.
Terminava FF com uma questão tão simples como "o que é ser rico"? e lembrei esses Buffen`s, Gates, Amorins, Azevedos, capazes de fazer parte das listas dos "500 mais ricos" em contraponto com os Silvas, Santos, Sousas, listados nos "500 milhões mais pobres". Ricos e pobres, porquê e como, ainda ninguém me conseguiu esclarecer, porque também eu sou um complicado da silva, um daqueles que gostava que lhe dissessem porque o Gates é mais rico que eu, goza a vida melhor que eu, sorri mais que eu, lê mais que eu, ouve música mais e melhor que eu, conversa com os amigos mais e melhor que eu, recebe telefonemas do pessoal dos "copos" mais e melhor que eu, vê uns filmes mais e melhor que eu, anda na rua sem problemas mais e melhor que eu... humm será que pode andar na rua como eu, deixar o carro em casa e ir ao clube de bicicleta como eu faço? beber café, navegar na net, sentar no banco da praça ao fim da tarde e beber uma cerveja com os amigos, ver um jogo na sporttv, ir à praia tomar um banho de sol incógnito e sem seguranças?
Já vi algumas pessoas com tanto e sem nada, que até me surpreendo quando vejo pessoas sem nada e... com tudo, seja esse nada e esse tudo, tudo aquilo que cada um de nós queira, não esquecendo, por exemplo da minha amiga São a largar umas férias com os filhos, num qualquer resort do Algarve e a partir para Nacuxa, no norte de Moçambique, uma terra sem nada, onde crianças sem nada de nada, lutam pela sobrevivência, dão valor a um sorriso, um afago, e recolhem do chão um bago de arroz que tenha caído do prato. Crianças que não tiveram culpa de ter nascido, que se sentam no chão de terra, em silêncio e com a máxima atenção, para aprender a escrever e falar a língua portuguesa, essa sim, a nossa riqueza.
Miséria? sim, também existe! quando um "corticeiro", que tem rendimentos de cinco mil euros por dia, contando sábados, domingos e feriados, tem a desfaçatez de dizer que é apenas "trabalhador", como qualquer trabalhador das suas empresas, que ganha num ano o que ele ganha num dia.
Ser rico ou pobre é uma questão de atitude, como por exemplo, quando a riqueza do povo timorense se resumiu à afirmação da sua indepedência, quando Luther King lutava contra a discriminação racial, quando Gandhi se afirmava contra o colonialismo e a violência.
Pobreza é pensar que o dinheiro pode resolver tudo na vida, que vale tudo para o ter em abundância, que não ter dinheiro, não ter roupa de marca, que não ter carro de gama alta é perder a dignidade, como a sociedade actual pretende fazer crer.
Ser pobre é ir para a escola e não querer estudar, ir para o emprego e nao querer trabalhar, fazer filhos e não os educar. Ser rico? é querer aprender, é não ter emprego e procurá-lo é sentir que não está sozinho.
Entretanto, espero que os ricos fiquem menos ricos e os pobres menos pobres! parece que há disso no norte da Europa...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

VIDA E MORTE DA MUNDET

Acabei de ler uma notícia interessante, talvez a mais interessante das notícias de hoje, numa inócua página interior e numa tão reduzida crónica que, só alguém como eu, capaz até de ler o suplemento dos anúncios, daria com ela.
A história conta-se tão naturalmente que nem a "troika" nem a "balalaika" dariam por ela, tão candidamente foi reproduzida naquele cantinho escondido do jornal de hoje, numa daquelas notícias de jovem jornalista que não questiona, não se arrepia, nem arregala os olhos, mantendo o princípio fundamental da escola onde concerteza lhe disseram que o jornalista apenas noticia e nunca questiona, isso se quer chegar ao fim do contrato de seis meses, que um qualquer recibo verde justifica.
Tudo isto a propósito do processo de falência da Mundet, uma grande empresa corticeira, com mais de mil empregados que há vinte e três anos atrás fechou a porta e deixou um administrador de falências com um problema de difícil resolução. Vinte e três anos? acho que é engano, ou... serão mesmo vinte e três anos... um ano, dois anos, três anos... vinte e três anos!
Acho muito? ahhh talvez nem seja, afinal vinte e três anos é bastante menos que Cristo viveu e nem dá para muito mais que um indivíduo nascer, crescer, votar, casar e continuar a ser jovem, isto tudo se não acrescentarmos poder ser um filho de um dos funcionários despedido há vinte e três anos.
Com a paciência, a humildade e a esperança de que o espólio da Mundet desse para pagar ao administrador de falência ao longo desses vinte e três anos, os empregados ainda vivos, receberam a feliz notícia, talvez em carta registada com aviso de recepção, de que iam ter direito ao pagamento de vencimentos em atraso na altura da falência, indemnização essa que se situa entre vinte seis cêntimos e trinta euros. Sim, vinte seis cêntimos de euro, o equivalente a duas carcaças das mais baratas... VINTE E SEIS CÊNTIMOS de indemnização é quanto vão receber alguns dos trabalhadores despedidos da Mundet, a empresa corticeira do Seixal.
Depois de vinte e três anos de um processo de falência, onde um administrador nomeado por um tribunal, com um vencimento mensal normalmente avantajado e pago com os bens da empresa decide indemnizar trabalhadores com vinte seis cêntimos, gastando para isso um cheque e uma carta registada com aviso de recepção, os quais custarão dez vezes mais que o valor da indemnização.
Lembrei-me de uma outra falência ocorrida nos anos 80, de uma multinacional americana instalada nas Caldas da Rainha, que despediu centenas de trabalhadores com salários em atraso, cujos terrenos foram comprados em tribunal pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha, no valor de um milhão e duzentos cinquenta mil euros, ainda não está resolvido o processo de falência, com um outro administrador nomeado pelo tribunal a desejar que os trabalhadores morram todos antes da decisão de os indemnizar talvez com os mesmos valores dos camaradas do Seixal. E já lá vão cerca de 30 anos...
Estamos em Portugal ou no Zimbabué? alguém que me explique, por favor.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

GRATUITIDADE

Este fim de semana comprei, como habitualmente, o DN para saber como vai o mundo e para ler umas crónicas interessantes, sejam elas do Ferreira Fernandes, da Fernanda Câncio ou do Manuel António Pina, com temas muito pertinentes a propósito de tudo e de nada.
Este último colocava o âmago ( esta é profunda) da questão numa frase lapidar "Porque terá a poesia tanto e tão inexplicável prestígio, suscitando uma espécie de temor reverencial junto de todos aqueles que não compreendem a sua assustadora gratuitidade?" e aqui chegados, ficamos esclarecidos da gratuitidade sob todos os aspectos, tanto da quase miséria a que estarão sujeitos todos aqueles que alguma vez pensarem viver dessa "arrumação" da escrita, como também da gratuitidade que se supõe do nada a que a poesia nos leva, ou pelo menos nos quer levar Manuel Pina quando ironicamente realça a perfeita inutilidade da poesia.
Sim, é inutil escrever poesia se o objectivo é mesmo receber alguns dividendos ou até mesmo se pensamos que além de nós e da família mais chegada, haverá alguém que a leia, mas por essa ordem de ideias nunca Ary dos Santos, Manuel Alegre ou José Fanha, para não irmos mais longe nos brindariam com poesia não tão inutil como poderia parecer à primeira vista, Cesário Verde, Florbela Espanca ou Pessoa não seriam estudados nas escolas e universidades.
Mas por tudo isso não deixa Manuel Pina de ter toda a razão quando, sabendo todos nós, tantos e tantos milhões que rabiscamos poemas por esse mundo fora, que tudo isso por mais interessante que seja, não será lido por ninguém, se admira com o facto de jovens, adultos e idosos continuarem a escrever poesia em folhas soltas, cadernos ou mesmo guardanapos de restaurante.
É uma perfeita inutilidade sim, tanto mais que há tanta coisa mais rentável para fazer na vida, tal como fazer livros do Futre ou fazer comentários na tv, os quais igualmente inúteis têm a vantagem de ser lidos e vistos por milhares de pessoas.
É verdade, jovens a escrever poemas até se aceita porque poesia, lirismo, imaginação e viagens para lá das nuvens são próprias da idade, metem-se na gaveta e uns anos depois mandam-se para o lixo, porque o ridículo não mata mas envergonha. Velhotes a escrever quadras populares também é aceitável... eles têm mais tempo livre, já não têm pachorra para esse complexo juvenil da vergonha e até podem fazer poesia para ser lida depois de morrerem, como fez Drumond de Andrade, com alguma poesia erótica, mas um homem de meia idade, casado e com filhos ainda jovens a rabiscar uns poemas é suspeito, sim senhor!
É tão suspeito que quando dou a ler aos amigos e conhecidos alguns arremedos de poesia que fui fazendo ao longo dos anos, começam por não acreditar, suspeitam de plágio e mesmo os filhos só acreditaram quando escrevi uma poesia para cada um, na sua presença, imprimi, mandei encaixilhar e coloquei nos respectivos quartos.
Ao ler a crónica de Manuel Pina, lembrei-me de outros tipos de poetas, daqueles a quem os amigos perguntam "estás armado em poeta, ou quê?", para os chamar à razão de uma sociedade em que qualquer tipo de poesia é pecado. De uma de muitas vezes em que me senti poeta, recordo um concerto musical que organizei em 1980, com uma excelente orquestra que convidei, um programa distribuído por todo o concelho, centenas de cadeiras colocadas no pavilhão desportivo, um autocarro alugado e... 5 (cinco) bilhetes vendidos! é preciso ser poeta, sim...
Como se não bastasse, ainda participei ao longo de todos estes anos em mais algumas manifestações poéticas, sempre com um verso atrás, perdão, sempre com um pé atrás, para que não me voltem a chamar poeta.
Curiosamente, aproveitei desde há uns anos a esta parte, as vigilâncias de exame para numa folha de rascunho ir escrevendo uns versos, enquanto passava devagar e em silêncio por entre as carteiras, onde muitas vezes a poesia também fazia parte do enunciado... e de alguma forma consegui chegar à conclusão de que a tal gratuitidade da poesia é muito relativa, na medida em que é uma forma excelente de ajudar a ultrapassar um determinado tempo gratuitamente inútil, como nos faz imaginar a vida de um modo diferente, mais solta, mais leve, mais alegre, mais feliz. Daí pensar até que um poeta, bom, mau ou assim-assim anda muitas vezes com a cabeça no ar... e quem não gosta?